"Certa vez, quando criança, durante uma queda de energia, sua mãe havia encontrado e acendido uma última vela e houve um breve instante de redescoberta, de uma iluminação tal que o espaço perdera suas vastas dimensões e se fechara aconchegante em torno deles, mãe e filho, a sós, transformados, torcendo para que a energia não voltasse tão cedo..."
"Bem, afinal de contas, estamos na era do lenço descartável. Assoe seu nariz numa pessoa, encha-a, esvazie-a, procure outra, assoe, encha, esvazie. Cada um está usando as fraldas da camisa do outro."
"E lembrou-se de ter pensado naquela hora que, se ela morresse, decerto ele não choraria. Pois seria a morte de uma desconhecida, um rosto da rua, uma foto do jornal e, de repente, não pela morte, mas pela ideia de pensar em não chorar diante da morte, um homem ridículo e vazio junto de uma mulher ridícula e vazia."
"Não se pode construir uma casa sem pregos e madeira. Se você não quiser que se construa uma casa, esconda os pregos e a madeira. Se não quiser um homem politicamente infeliz, não lhe dê os dois lados de uma questão para resolver, dê-lhe apenas um. Melhor ainda, não lhe dê nenhum. Deixe que ele se esqueça de que há uma coisa como a guerra. Se o governo é ineficiente, despótico e ávido por impostos, melhor que ele seja tudo isso do que as pessoas se preocuparem com isso. Paz, Montag. Promova concursos em que vençam as pessoas que se lembrarem da letra das canções mais populares ou dos nomes das capitais dos estados ou de quanto foi a safra do milho no ano anterior. Encha as pessoas com dados incombustíveis, entupa-as tanto com "fatos" que elas se sintam empanzinadas, mas absolutamente "brilhantes" quanto a informações. Assim, elas imaginarão que estão pensando, terão uma sensação de movimento sem sair do lugar. E ficarão felizes, porque fatos dessa ordem não mudam. Não as coloque em terreno movediço, como filosofia ou sociologia, com que comparar suas experiências. Aí reside a melancolia. Todo homem capaz de desmontar um telão e montá-lo novamente, e a maioria consegue, hoje em dia está mais feliz do que qualquer homem que tenta usar a régua de cálculo, medir e comparar o universo, que simplesmente não será medido ou comparado sem que o homem se sinta bestial e solitário. Eu sei porque já tentei. Para o inferno com isso! Portanto, que venham seus clubes e festas, seus acrobatas e mágicos, seus heróis, carros a jato, motogiroplanos, seu sexo e heroína, tudo o que tenha a ver com reflexo condicionado. Se a peça for ruim, se o filme não disser nada, estimulem-me com o teremim, com muito barulho. Pensarei que estou reagindo à peça, quando se trata apenas de uma reação tátil à vibração. Mas não me importo. Tudo que peço é um passatempo sólido."
"'Não se pode precisar o momento em que uma amizade se forma. Como ao encher gota a gora uma vasilha, há, no final, uma gota que a faz transbordar, assim, também, em uma série de gentilezas, há uma que, por fim, faz o coração transbordar.'"
"Será porque estamos nos divertindo tanto em casa que nos esquecemos do mundo? Será porque somos tão ricos e o resto do mundo tão pobre e simplesmente não damos a mínima para sua pobreza? Tenho ouvido rumores; o mundo está passando fome, mas nós estamos bem alimentados. Será verdade que o mundo trabalha duro enquanto nós brincamos? Será por isso que somos tão odiados? Ouvi rumores sobre ódio, também, esporadicamente ao longo dos anos. Você sabe por quê? Eu não, com certeza que não! Talvez os livros possam nos tirar um pouco dessas trevas. Ao menos poderiam nos impedir de cometer os mesmos erros malucos!"
"'Eu não falo de coisas, senhor', disse Faber. 'Falo do sentido das coisas. Sento-me aqui e sei que estou vivo.'"
"Cristo agora é um da 'família'. Muitas vezes me pergunto se Deus reconhece Seu próprio filho do jeito que o vestimos, ou devo dizer despimos? Ele é agora uma guloseima em bastão, feita de açúcar cristal e sacarina, quando não está fazendo referências veladas a certos produtos comerciais de que todo fiel absolutamente necessita."
"- Ninguém mais presta atenção. Não posso falar com as paredes porque elas estão gritando para mim. Não posso falar com minha mulher, ela escuta as paredes. Eu só quero alguém para ouvir o que tenho a dizer. E talvez, se eu falar por tempo suficiente, minhas palavras façam sentido. E quero que você me ensine a entender o que leio."
"Os livros eram só um tipo de receptáculo onde armazenávamos muitas coisas que receávamos esquecer. Não ha neles nada de mágico. A magia está apenas no que os livros dizem, no modo como confeccionavam um traje para nós a partir de retalhos do universo."
"Você sabe por que livros como este são tão importantes? Porque têm qualidade. E o que significa a palavra qualidade? Para mim significa textura. Este livro tem poros. Tem feições. Este livro poderia passar pelo microscópio. Você encontraria vida sob a lâmina, emanando em profusão infinita. Quanto mais poros, quanto mais detalhes de vida fielmente gravados por centímetro quadrado você conseguir captar numa folha de papel, mais 'literário' você será. Pelo menos, esta é a minha definição. Detalhes reveladores. Detalhes frescos. Os bons escritores quase sempre tocam a vida. Os medíocres apenas passam rapidamente a mão sobre ela. Os ruins a estupram e a deixam para as moscas. Entende agora por que os livros são odiados e temidos? Eles mostram os poros no rosto da vida. Os que vivem no conforto querem apenas rostos com cara de lua de cera, sem poros nem pelos, inexpressivos. Estamos vivendo num tempo em que as flores tentam viver de flores, e não com a boa chuva e o húmus preto."
"Não peça garantias. E não espere ser salvo por uma coisa, uma pessoa, máquina ou biblioteca. Trate de agarrar a sua própria tábua e, se você se afogar, pelo menos morra sabendo que estava no rumo da costa."
"Os que não constroem precisam queimar. Isso é tão antigo quanto a história e os delinquentes juvenis."
"Dava para sentir a guerra se preparando no céu naquela noite. O modo como as nuvens se afastavam e voltavam e a aparência das estrelas, um milhão delas nadando entre as nuvens, como os discos inimigos, e a sensação de que o céu poderia cair sobre a cidade e transformá-la em pó de gis, e a lua se elevar em chamas vermelhas, era assim que a noite parecia estar."
"- Ah, amor, sejamos fiéis
Um ao outro! pois o mundo, que parece
Estender-se diante de nós como uma terro de sonhos,
Tão vário, tão belo, tão novo,
Não tem realmente alegria, nem amor, nem luz,
Nem certeza, nem paz, nem remédio para a dor;
E estamos aqui como numa planície sombria
Varrida por alarmes confusos de luta e fuga,
Onde cegos exércitos travam combate na noite."
(A praia de Dover)
"Você está com medo de cometer erros. Não tenha. Os erros podem ser proveitosos. Quando eu era jovem, Montag, eu atirava minha ignorância na cara das pessoas. Elas me surravam com varas. Quando cheguei aos quarenta, minha faca cega já estava muito bem afiada para mim. Se você esconder sua ignorância ninguém lhe baterá e você nunca irá aprender."
"A casa de Faber seria o lugar em que ele poderia realimentar sua crença, que rapidamente se esvaía, em sua própria capacidade de sobreviver. Ele só queria saber que havia no mundo um homem como Faber."
"- Meu Deus, como isso aconteceu? - disse Montag. - Numa noite está tudo bem e na seguinte estou me afogando, Quantas vezes um homem pode afundar e ainda continuar vivo?"
"'Encha seus olhos de admiração', dizia ele, 'viva como se fosse cair morto daqui a dez segundos. Veja o mundo. Ele é mais fantástico do que qualquer sonho que se possa produzir nas fábricas. Não peça garantias, não peça segurança, jamais houve semelhante anima. E se houvesse, seria parente do grande bicho-preguiça pendurado de cabeça para baixo numa árvore o dia inteiro, todos os dias, a vida inteira dormindo. Para o inferno com isso', dizia ele, 'balance a árvore e derrube o grande bicho-preguiça de bunda no chão.'"
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