![]() |
Ernest Hemingway |
Trechos marcados pela beleza e/ou com a finalidade de destacar o material que será utilizado nos trabalhos das disciplinas do primeiro semestre do programa de pós graduação em Teoria e História Literária.
Capítulo I
"Ele deve ter uma vestimenta e tanto, mas não gostei daquela tristeza. É mau sinal. É a tristeza que eles têm antes de desertar ou trair. É a tristeza que aparece antes de se venderem." (pg.31)
"Tinha um estrangeiro com a gente, foi ele quem preparou os explosivos - disse Pablo. - Você o conhece?
- Como ele se chama?
- Eu não lembro. Era um nome esquisito.
- Como é que ele era?
- Era louro assim como você, mas não tão alto, tinha mãos enormes e o nariz quebrado.
- Kashkin - disse Robert Jordan. - Só pode ser Kashkin.
- Sim - assentiu Pablo. - Era um nome raro. Algo assim como você disse. O que é feito dele?
- Morreu em abril.
- Isto é o que acontece com todo mundo - disse Pablo com melancolia. - É como todos nós vamos acabar.
- Este é o fim de todos os homens - disse Anselmo. - É o modo como os homens sempre acabaram. O que há contigo, homem? O que tens no estômago?
- Eles são muito fortes - disse Pablo com entonação lúgubre, olhando para os cavalos como se estivesse falando sozinho. - Você não sabe o quanto eles são fortes. Eu os vejo cada vez mais fortes, mais bem - armados. Sempre com mais equipamentos. E aqui estou eu apenas com meus cavalos. O que posso esperar do futuro? Ser caçado e morrer. Nada mais.
- Você é tão caçador quanto caça - disse Anselmo.
- Não - retorquiu Pablo. - Não, atualmente" (pg.34)
"Todos os melhores homens, pensando bem, eram alegres. Seria muito melhor estar alegre, e seria um bom sinal também. Seria como obter a imortalidade enquanto ainda se vive. Era um pensamento complexo. De qualquer forma, não restavam muitos assim. Não, não haviam sobrado muitos homens alegres. 'Diacho, tão poucos sobreviveram. E se você ficar pensando nisso, meu garoto, nem você sobreviverá. Desligue os pensamentos agora, veterano, velho camarada. Agora você é um especialista em explosão de pontes. Não é um pensador. Homem, como eu estou com fome', pensou. 'Espero que Pablo tenha boa comida'." (pg.38)
Capítulo II
"- Pablo era corajoso no começo - disse Anselmo. - Pablo levava tudo a sério no começo.
- Matou mais gente do que o cólera - disse Rafael. - No início do movimento, Pablo matou mais gente do que a febre tifoide.
- Mas há muito tempo que ele anda muy flojo - contou Anselmo. - Amoleceu. Está com medo de morrer.
- Vai ver é porque ele matou muita gente logo no começo - filosofou o cigano. - Pablo já matou mais do que a peste bubônica." (pg.51)
"Então houve uma outra explosão de fumaça branca, eram os vapores do enorme motor agonizante, perfurando a nuvem de terra que caía sobre nós todos, e nesse momento a máquina começou a falar ra-tá-tá-tá!?" (pg.56)
Capítulo III
"- Nós temos uma aviação formidável - disse o velho.
- É.
- E iremos vencer.
- Temos de vencer.
- Sim. E depois de vencermos, nós vamos caçar.
- Caçar o quê?
- O javali, o urso, o lobo, o cabrito montês...
- Gosta de caçar?
- Sim. Mais do que qualquer coisa. Todos nós na vila, caçamos. Você não gosta de caçar?
- Não. Eu não gosto de matar animais.
- Comigo é o oposto - disse o velho. - Eu não gosto de matar homens.
- Ninguém gosta, exceto aqueles que são perturbados da cabeça - replicou Robert Jordan. - Mas eu não tenho remorso quando é necessário, quando é por uma causa.
- É uma coisa diferente, sim - disse Anselmo. - Na minha casa, quando eu tinha uma casa, pois agora eu não tenho mais, havia as presas dos javalis que eu cacei na campina. Estavam lá as peles dos lobos que eu abati. Foi no inverno, caçando na neve. Um era bem grande, matei-o durante uma madrugada nos arredores do vilarejo quando retornava para casa numa noite de novembro. Tinha quatro peles de lobos no assoalho da minha casa. Estavam gastas de tanto a gente pisar nelas, mas eram peles de lobos. Tinha chifres de cabritos monteses que eu matei na Sierra. E tinha uma águia empalhada por um embalsamador de Ávila, com as asas abertas e olhos amarelos tão reais como os olhos de uma águia viva. Eram coisas muito bonitas, me davam prazer ontemplar... [começa na pág. 69 e vai até a 74]"
"Ressentiu-se pelo que elas poderiam causar a ele e a este velho homem. Eram ordens aterrorizantes para quem fosse segui-las.
'E este não é o jeito certo de pensar', disse para si mesmo, 'você não existe e não existem as pessoas que não devem enfrentar isso ou aquilo. Nem você nem este velho são nada. Vocês são apenas instrumentos de sua missão. Vocês não têm culpa dessas ordens, elas são necessárias, e existe uma pone, uma ponte que pode ser o vértice onde a mudança do futuro da raça humana irá acontecer. Assim como de repente tudo pode mudar nesta guerra'." (pg.76)
Capítulo IV
"Robert Jordan empurrou o copo para perto dele. O conteúdo tornara-se um líquido leitoso e amarelo, misturado na água, e ele esperava qeu o cigano não tomasse mais do que um gole. Tinha sobrado muito pouco, e um copo daquilo tomava o lugar dos jornais vespertinos, das noites em cafés, das castanheiras que deveriam estar florescendo por este mês, dos belos cavalos troteando vagarosamente pelas alamedas, das livrarias, dos quiosques, e das galerias de arte, do Parc Montsouris, do estádio da Île de la Cité, do velho hotel Foyot, de ser capaz de ler e relaxar à noite, de todas essas coisas que ele havia desfrutado e esqecera mas que retornaram à memória quando provou aquele líquido opaco, amargo, cuja alqimia entorpecia a língua, afagava o cérebro, esquentava o estômago e mudava as ideias." (pg.86)
Capítulo V
"Ganhei de meu pai uma herança
A lua e o sol
E mesmo que eu rode o mundo todo
Essa herança não vai nunca se acabar."
Capítulo VIII
Esquematização das marcações do material bélico na pág. 123
Capítulo IX
"Talvez Deus ainda exista, embora O tenhamos abolido." (pg.139)
"Todos precisam ter alguém para conversar - disse a mulher. - Antes tínhamos a religião e outras coisas sem sentido. Agora, cada um precisa ter com quem falar abertamente. Pois quanto mais bravura alguém tiver, mais solitário vai ficando.
- Não estamos sozinhos. Estamos todos juntos.
- A visão daquelas máquinas faz a gente refletir - disse a mulher. - Não somos nada contra aquelas máquinas." (pg.140)
"A tristeza irá se dissipar assim que o sol raiar. Ela é como uma neblina." (pg.141)
"- Nesta guerra tem muita idiotice - disse Augustín. - Esta guerra é uma idiotice sem limites.
- Do contrário não estaríamos aqui.
- Sim - disse Augustín. - Nadamos na idiotice já se vai um ano. (pg.146)
"- E o que você acha do negócio das pontes?
- Que é necessário. Isto eu sei. Duas coisas nós devemos fazer. Devemos sair daqui e devemos vencer. As pontes são necessárias se nós quisermos vencer.
- Se Pablo é tão esperto, por que não enxerga isto?
- Ele quer as coisas como estão, sem mudança, por causa da sua própria fraqueza. Quer ficar no redemoinho de sua própria fraqueza. Mas o rio está subindo. Forçado a mudar, ele será esperto na hora da mudança. Es muy vivo." (pg.148)
"Olha, Pilar, para se fazer uma guerra, tudo o que se precisa é inteligência. Mas para vencê-la são necessários talentos e material." (pg.149)
Capítulo X - descrição de uma matança de fascistas em uma cidade pequena (atentar para o trabalho da disciplina do professor Foot)
Capítulo XI
"Isso não era jeito de pensar. Mas quem iria censurar os seus pensamentos? Ninguém, além dele próprio. Ele não iria se entregar ao derrotismo. A primeira coisa era ganhar a guerra. "Se não ganharmos a guerra, tudo estará perdido." Mas ele observava, escutava e memorizava tudo. Estava servindo na guerra, dedicado com absoluta lealdade e executando as suas tarefas o melhor possível enquanto estivesse servindo. Mas ninguém era dono de sua mente, nem de suas faculdades de ver e ouvir, e, se ele fosse fazer julgamentos, só os faria após tudo acabar. Havia abundância de material para escrever a respeito. Já havia material demais. Às vezes, até um pouco mais do que convinha."(pg.205)
"Com o rapaz parado ali, Maria espichou-se, colocou os braços em volta de seu pescoço e o beijou. Joaquín virou o rosto; estava chorando.
- Foi como a um irmão - disse Maria. - Eu te beijei como a um irmão.
O rapaz balançou a cabeça, chorando, mas sem fazer nenhum som.
- Eu sou a tua irmã - disse Maria. - Eu te amo e tu tens uma família. Somos a tua família.
- Incluindo o Inglês. - mugiu Pilar. - Não é verdade, Inglês?
- Sim - disse Robert Jordan para o rapaz. - Nós todos somos a tua família, Joaquín.
- Ele é seu irmão - disse Pilar. - Certo, Inglês?
Robert Jordan colocou seu braço em volta dos ombros de Joaquín e disse:
- Somos todos irmãos." (pg.210,211)
"- Como foi isto? - o velho surdo perguntou, baixando deus olos para os lábios de Robert Jordan.
- Eu atirei nele - disse Robert Jordan. - Ele estava muito ferido para viajar e atirei nele.
- Ele estava sempre falando dessa necessidade - disse Pilar. - Era a sua obsessão.
- Sim - disse Robert Jordan. - Ele estava sempre falando dessa necessidade e era a sua obsessão.
- Como fué? - perguntou o velho surdo, - Foi num trem?
- Retornando de um trem - contou Robert Jordan. - O trem foi um sucesso. Retornando no escuro encontramos uma patrulha fascista, fugimos, e ele foi atingido nas costas. O tiro não feriu nenhum osso, só no alto do ombro, a omeoplata. Ele viajou um longo percurso, mas o ferimento impediu-o de seguir adiante. Ele não queria ser deixado para trás e eu atirei nele.
- Menos mal - disse El Sordo." (pg.224,225)
Capítulo XII
"Então foi o cheiro da urze esmagada e a aspereza dos galhos curvados sobre a cabeça dela, com o sol brilhando nos seus olhos cerrados, e para o resto de sua vida ele iria lembrar da curva da garganta dela, da sua cabeça jogada para trás, no meio das raízes das urzes, e seus lábios movendo-se pequenos, irrequietos, o bater dos cílios sobre os olhos fechados contra o sol e contra tudo o mais, para ela tudo era avermelhado, laranja, outo e vermelho, por causa do sol batendo-lhe nos olhos fechados, tudo tinha aquelas cores, tudo, o preenchimento, a posse, a fruiçõa, tudo tinha aquelas cores, tudo uma cegueira com aquelas cores. Para ele era uma passagem escura para lugar nenhum, depois para lugar nenhum, e novamente para lugar nenhum, e mais uma vez, sempre para lugar nenhum, pesado sobre os próprios cotovelos fincados na terra, para lugar nenhum, escuridão, nunca um final, sempre dando em lugar nenhum, preso todo tempo sempre a nenhum lugar insabido, agora e de novo para sempre e para lugar nenhum, não para nascer de novo, agora, mas, mais uma vez, para lugar nenhum, agora, além de toda resistência, indo e indo para lugar nenhum de repente, escaldante, um amparo, todo o nada se esvaiu e o tempo de todo parou e os dois lá, o tempo parado, e ele sentiu a terra mover-se e fugir debaixo deles." (pg.238,239)
"Ele tinha outra coisa a fazer depois da guerra. Lutava nesta guerra porque acreditava na República e, se fosse destruída, a vida seria insuportável para todas as pessoas que acreditavam nela. Ele estava sob a disciplina comunista, enquanto a guerra durasse." (pg.244)
"Inimigos do povo. Esta frase, ele talvez omitisse. Era uma frase a se evitar, suspeita. Dera para isso depois de ter dormido com Maria. Havia se tornado tão fanático e inflexível sobre seu posicionamento político quanto um Batista empedernido, e frases como aquela, inimigos do povo, vinham à sua mente sem nenhuma autocrítica. E toda sorte de clichês, revolucionários e patrióticos. Sua mente os empregava sem escrúpulos. Obviamente, eram verdadeiros, mas também muito fáceis de serem empregados irrefletidamente. Mas, desde a noite passada e durante esta tarde, tornara-se mais lúcido na questão política. O fanatismo é uma coisa singular. Ser fanático requer absoluta certeza de que você está correto, e nada estimula a certeza e a correção como a castidade. A castidade é a inimiga da heresia. (pg.245,246)
"'O que você vai ser, ou para que servirá quando deixar o serviço da República? Isso é uma enorme dúvida. Mas o meu palpite é que você irá livrar-se de tudo ao escrever sobre isso. Será um bom livro se conseguir escrevê-lo. Muito melhor do que o outro.'
'Mas, por enquanto, toda a vida que você tem, ou a única que terá, é hoje, esta noite, amanhã, hoje, esta noite, amanhã e assim por diante - assim espero -, de modo que é melhor aproveitar todo o tempo disponível, e agradecer por isso. E se o negócio da ponte acabar mal? Aliás, já não parece nada bem." (pg.248)
"Quem sabe isto é o que posso ter da vida, agora? Ou talvez seja esta toda a minha vida que em vez de durar setenta anos vai durar quarenta e oito horas, ou então setenta, ou melhor, setenta e duas horas. Com vinte e quatro horas num dia, dá setenta e duas horas em três dias completos.
Suponho que seja possível viver uma vida completa em setenta horas, tanto quanto em setenta anos. Contanto que a vida esteja amadurecida desde o começo das setenta horas, e que já se tenha uma certa idade. (...) Sendo assim, se a vida de alguém pode trocar setenta anos por setenta horas, eu tenho este montante agora, e tenho a sorte de saber disso. E se não existir esta coisa de longo tempo, nem para o resto de suas vidas, tampouco daqui para frente, mas existir somente o agora, então que se glorifique o agora, e ficarei muito feliz com isso. Agora, ahora, maintenant, heute. Agora tem um som engraçado para cotner um mundo inteiro e a sua vida." (pg.248,249)
"Bom, é isto, é o que tem acontecido, melhor você admitir agora, nunca terá duas noites inteiras com ela. Nem uma vida, nem viverão juntos, nem vai ter o que as pessoas normalmente têm, não mesmo. Uma noite que é passado, uma vez numa tarde, uma noite por vir - talvez. Não, senhor.
Nem tempo, nem felicidade, nem divertimento, nem crianças, nem casa, nem banheiro, nem um par de pijamas limpos, nem o jornal da manhã, nem acordarem juntos, em acordar e saber que ela está ao seu lado e que você não está sozinho. Nada disso. Mas por que, quando isso é tudo o que você quer da vida, justo quando você o enconrta, por que não, pelo menos uma noite numa cama com lençóis?
Você pede o impossível. O impossível. Se ama essa garota tanto quanto diz, é melhor amá-la seriamente e compensar pela intensidade o que à relação irá faltar em duração e continuidade. Está ouvindo? Nos velhos tempos as pessoas devotavam uma vida inteira a isso. E agora, você encontra, dispõe de duas noites e fica pensando de onde a sorte veio. Duas noites. Duas noites para amar, honrar e respeitar. No melhor e no pior. Na doença e na morte. Não, não era assim. Na doença e na saúde. Até que a morte os separe. Em duas noites. Mais ou menos isso, mais ou menos assim e agora afaste estes pensamentos. Não lhe fazem bem. Não faça nada que não faça bem. Certo, acabou." (pg.252)
"Você tem isso agora e isto será toda a sua vida: um agora. Não há nada mais. Não há o ontem, certamente não haverá o amanhã. Quanto tempo terá de viver para aprender? Existe somente o agora, e, se agora é apenas dois dias, então dois dias são a sua vida e tudo o mais será uma proporção disso. É assim que se vive uma vida em dois dias. Será uma boa vida se parar de reclamar e pedir o que nunca terá. Uma boa vida não se mede em períodos bíblicos." (pg.253)
Capítulo XV
"Os fascistas estão aquecidos e confortáveis", pensou, "e amanhã à noite vamos matá-los. Acredito que eu poderia caminhar até a serraria e bater na porta, e seria bem-vindo, exceto pelo fato de que eles têm ordens para abordar todos os viajantes e pedir os seus documentos. São apenas as ordens que nos separam. Aqueles homens não são fascistas. Eu os chamo assim, mas eles não são. São homens pobres iguais a nós. Jamais deveriam estar lutando contra nós, e não gosto de pensar no ato de matar." (pg.286,287)
"Espero que eu não seja escalado para a matança." refletia Anselmo. "Acho que, após a guerra, deverá haver uma grande penitência pelas mortes cometidas. Se não tivermos mais religião, depois da guerra, então acho que deveria haver uma forma qualquer de penitência civil organizada, para que todos sejam purificados da matança, do contrário jamais teremos uma base verdadeira e humana para viver. A matança é necessária, eu sei. Mesmo assim, muito ruim para o homem, e acho que, após tudo isso acabar e ganharmos a guerra, deve haver uma forma de penitência qualquer para a purificação de todos nós." (pg.291,292)
"Fo no Gaylord que ficou sabendo que Valentín Gonzales, chamado El Campesino, ou O Camponês, nunca havia sido um camponês, mas sim um ex-sargento da Legião Estrangeira Espanhola, que desertara e lutara com Abd el Krim, o competente líder das tribos Rif, do Marrocos." (pg.337,338)
"Houve um tempo em que pensava que o Gaylord tinha sido um mau lugar para ele. Era o oposto do comunismo puritano religioso do Velasquez 63, o palácio de Madri que havia sido transformado num quartel-geral da Brigada Internacional na capital. 'No Velasquez 63, era como se a gente fosse membro de uma ordem religiosa' - e o Gaylord estava muito distante do sentimento que se tinha no quartel general do Quinto Regimento, antes que tivesse sido desmembrado nas brigadas do novo exército." (pg.345)
"Era um sentimento de consagração para o dever com respeito a todos os oprimidos do mundo, tão difícil e embaraçoso de se explicar quanto as experiências religiosas, e mesmo assim era autêntico, como a sensação que se tinha ao ouvir Bach, ou ficar na Catedral de Chartres, ou na Catedral de Lyon, e ver a luz passar pelas grandes janelas, ou ver Mantegna, e Greco e Brueghel no Prado. É algo que transmite a você um sentimento de pertencimento a uma coisa em que você acredita integralmente, na qual vislumbra uma fraternidade absoluta, compartilhada com os demais que estivessem engajados. É uma experiência nunca vista, mas que você experimenta, então, e acaba dando tanta importância a ela, e às suas razões, que a sua própria morte não importa mais - torna-se apenas algo a ser evitado, para garantir o cumprimento do dever. Mas o melhor de tudo é que você pode fazer algo de concreto com esse sentimento e essa necessidade. Você pode lugar." (pg.346)
"A nacionalidade e a inclinação política de alguém não aparecem quando ele está morto." (pg.249)
"- Agora devemos dormir? - disse ela. - Eu dormiria como uma pedra.
- Vamos dormir - disse ele, e sentiu o corpo longilíneo leve e quente, aconchegado ao dele, banindo a solidão de ambos, magicamente, pelo simples toque do seu ventre no seu abdômen, dos ombros, dos pés, formando uma aliança com ele contra a morte. - Durma bem, coelhinha comprida.
- Já estou dormindo - disse ela.
- Vou dormir - disse ele. - Durma bem, minha amada - e assim ele adormeceu se sentindo feliz.
Mas acordou, ainda noite, e a abraçou bem apertado como se ela fosse a sua vida e estivesse sendo tirada dele. Segurou-a firme, como se ela fosse a única vida que existia, e era verdade. Mas ela dormia um sono pesado e assim permaneceu. Então, ele virou de lado, puxou a manta sobre a cabeça dela, beijou-a no pescoço sob a manta, puxou a pistola pela corda, colocando-a ao alcance da mão, e ficou assim, na noite, pensando." (pg.386)
"O cigano é um verdadeiro inútil. Não tem um pingo de senso e cultura políticas, nem disciplina, e não se pode confiar nele para nada. Mas vou precisar dele amanhã. Tenho uma função para ele amanhã. É esquisito ver um cigano numa guerra. Eles deveriam ser dispensados como os que têm objeção de consciência. Ou por incapacidade mental e física. Não valem nada. Mas objeções de consciência não serviram como motivo de dispensa nesta guerra. Ninguém foi dispensado. A guerra veio para todos. Bem, chegou-se até aqui, agora, com este precário apetrecho. É assim agora." (pg.402,403)
Mas não iria parar tão fácil assim. "Quantos você já matou?", perguntou para si mesmo. "Não sei. Você pensa que tem o direito de matar qualquer pessoas? Não. Mas tenho que matar. Quantos você matou que eram realmente fascistas? Bem poucos. Mas eles são inimigos, a cuja força nós opomos força. Mas você gosta das pessoas de Navarra, mais do que de qualquer outra parte da Espanha. Sim. E você os matou. Sim. E, se não acreditar, desce até o acampamento. Você não sabe que é errado
matar? Sei. Mesmo assim você mata? Mato. E continua acreditando que a sua causa é justa? Sim."
"Está certo", concluiu para si mesmo, não para tranquilizar-se, mas com o orgulho. "Acredito no povo e no seu direito de governar-se do jeito que quiser. Mas você não deve acreditar na matança. Deve fazer isso como uma necessidade, mas não deve acreditar nela. Se acreditar que matar está certo, tudo está errado."
"Quantos você acha que matou? Não sei, não tomo nota. Mas consegue calcular? Consigo. Quantos? Não dá para ter certeza. Explodindo trens você acaba matando muitos. Muita gente. Não dá para ter certeza. Então de quantos você tem certeza? Mais de vinte. E desses, quantos eram realmente fascistas? Pelo menos dois eu tenho certeza que eram. Porque tive que fuzilá-los quando os fizemos prisioneiros em Usera. E você não se importou? Não. Nem gostou? Não. Decidi nunca mais fuzilar ninguém. Tenho evitado isso. Tenho evitado matar quem não estiver armado."
"Escute", continuou o diálogo contigo mesmo. "É melhor parar com isso. É ruim para você e para o trabalho." Então replicou a si mesmo: "Ei, você, vai me escutar, entendeu? Porque está fazendo algo muito sério, e eu quero ter certeza de que esteja ciente disso o tempo todo. Tenho que manter a sua mente nos trilhos. Se você não estiver com a mente concentrada, não tem o direito de continuar matando, porque isso é um crime e nenhum homem tem o direito de tirar a vida de outro, a menos que seja para evitar a perda de outras vidas. Enfie isso na sua consciência e não minta para si mesmo."
"Mas, não vou ficar contando quantas pessoas matei, como se houvesse um troféu pelo recorde ou aquele negócio repugnante de marcar o cano da arma com risquinhos. Tenho o direito de não contar e o direito de esquecê-los."
"Não", disse ele. "Você não tem o direito de esquecer nada. Não tem o direito de fechar os olhos para isso, nem esquecer, nem de suavizar nada, tampouco de mudar as coisas."
"Cale-se", disse para si mesmo. "Você está ficando vergonhosamente pomposo."
"Nem de enganar a si mesmo sobre isso", continuou falando a si mesmo.
"Tudo bem. Obrigado por todos os conselhos; tudo bem amar a Maria?"
"Sim."
"Mesmo que não deva haver tais sentimentos como o amor, numa sociedade de concepção puramente materialista?"
"Mas, desde quando você tem essa concepção/ Nunca teve. E jamais poderia ter. Você não é um marxista genuíno, e sabe disso. Você acredita na Liberdade, Igualdade, Fraternidade. Acredita na Vida, na Liberdade e na Busca da Felicidade. Jamais brinque com a sua consciência usando tanta dialética. Isso é para outros, mas não para você. Você deve conhecê-la para não se tornar um chato inconveniente. Você andou colocando muitas coisas em suspenso para ganhar uma guerra. Se esta guerra for perdida, tudo aquilo será perdido."
"Mas, no fim, você pode descartar as coisas em que não acredita. Tem muita em que não crê e várias em que você põe fé."
"Outra coisa. Não se engane sobre amar alguém. Porque a maioria das pessoas não tem a sorte de sequer descobrir o amor. Você nunca teve essa chance, e agora a tem. O que aconteceu com você e Maria, dure apenas uma noite e uma parte de amanhã, ou dure uma vida, é a coisa mais importante que pode acontecer com um ser humano. Sempre existirão pessoas que dizem isso não existe, porque nunca o conheceram. Mas eu lhe digo, isso é verdadeiro, é seu e é a sua ventura, mesmo que você morra amanhã." (pg439-442)
"Se ele soubesse quantos homens na história utilizaram uma colina para morrer, não ficaria nada animado, pois num momento desses o homem não fica impressionado com o que aconteceu com outros homens em situação semelhante, da mesma forma que uma viúva, um dia depois da morte do esposo, não se sente consolada por saber que outros maridos já morreram. Com medo ou não, a morte é difícil de aceitar. El Sordo a aceitara, mas não havia nenhuma doçura nesta aceitação, mesmo no topo de seus cinquenta e dois anos de idade, ferido em três partes do corpo e cercado no topo de uma colina.
Fez piada da situação consigo mesmo, mas olhou para o céu e para a região montanhosa, engoliu o vinho, e simplesmente não sentiu vontade de morrer. "Se a morte é inevitável, e todos morrerão um dia, então eu posso morrer, mas odeio isso."
Morrer era nada, e ele não tinha uma imagem da morte, nem medo dela na mente. Mas viver era um campo de trigo ondulado ao vento numa encosta. Viver era um gavião no céu. Viver era um jarro de cerâmica com água na poeira do debulho do trigo, batido na eira com o mangual, e a palha esvoaçando. Viver era um cavalo entre as pernas e uma carabina sob a coxa, uma colina, um vale, um riacho com os pinheiros ao longe, mais adiante outro vale, e outras colinas além." (pg.451)
"O tenente Berrendo, que cavalgava adiante da coluna com os batedores dos glancos bem abertos e o batedor da cabeça da coluna bem adiantado, não demonstrava altivez. Ele sentia apenas o vazio habitual após uma ação. Pensava: "Carregar as cabeças é coisa de bárbaro. Mas provas e identificação são necessárias. Terei problemas o bastante do jeito que as coisas estão. E sabe o que mais? Essas cabeças talvez impressionem àqueles que gostam dessas coisas. É possível que as enviem para Burgos. É um negócio de bárbaros. Os aviões fizeram um massacre." (pg.470)
"Ele era apenas um covarde, e isso é o pior traço de caráter num homem." (pg.488)
Capítulo XXXIV
"Mas quando o Inglês conversou com ele sobre levar a mensagem, teve a mesma sensação de quando era menino ao despertar na manhã de Festival, na sua vila, e ouvir que estava chovendo torrencialmente, e isto significava que o quarteirão estaria muito molhado e a festa dos touros seria cancelada." (pg.523)
"Sem dúvida. Ele era o Buldogue de Villaconejos e nada o faria perder aquele momento, a cada ano, na sua vila. Mas sabia que não havia sensação melhor do que a que lhe dava o som da chuva, porque então tinha certeza de que não precisaria fazer aquilo." (pg.526)
"Se nosso pai não fosse republicano, eu e Eladio teríamos virado soldados fascistas, e, sendo das forças armadas deles, não haveria problema. É só obedecer às ordens, e viver ou morrer, no final é tudo a mesma coisa. Apenas é mais fácil viver sob o regime do que lutar contra ele." (pg.528)
"Acho que nascemos num tempo de muita dificuldade. Acho que em qualquer outro tempo seria mais fácil. Hoje em dia se sofre pouco porque todos nós aprendemos a resistir ao sofrimentos. Quem sofre muito não é talhado para viver nestes tempos. Mas é uma época de decisões difíceis. Os fascistas atacam e tomam as decisões por nós. Nós lutamos para sobreviver." (pg.528)
"E abandonaram-se juntos, os ponteiros do relógio moviam-se sem serem vistos, e eles sabiam que nada mais poderia acontecer a um que não acontecesse ao outro, que nada podia acontecer além disso, que isto era o tudo e o sempre, era o que vinha sendo, seria agora e em todo tempo que estivesse por vir. Isto, o que eles não teriam, agora estavam tendo. Agora, e antes e sempre, e agora, e agora, e agora. Oh, vem, agora, vem, tudo, agora e acima de tudo agora, e não haverá outro agora, mas tu agora, não há outro agora além de ti agora, e agora é teu profeta. Agora e para sempre agora. Vem, vem, não existe outra hora, mas só o agora." (pg.544,545)
Capítulo XXXVIII
"Mas o seu plano fede. Está fedendo, nem falo quanto. Era um plano noturno, e agora é de manhã. Planos noturnos não funcionam pela manhã. O jeito que se pensa à noite não funciona quando amanhece. Pronto, agora você sabe que não funciona." (pg.553)
Capítulo XLI
"Quando tu atirares - disse Robert Jordan -, respira fundo e mira bem. Não pensa que está atirando num homem, mas num alvo, de acuerdo? Não atira no homem como um todo, mas num determinado ponto. Atira bem no meio da barriga, se ele te encarar. No meio das costas, se ele estiver virado." (pg.587)
"A ira e o vazio, e também o ódio, que vieram com a depressão após a ponte, invadiram-no desde o momento em que olhou de onde estava agachado e viu Anselmo morto. E ainda a desesperança, pela dor que os soldados transformam em ódio para que possam continuar sendo soldados." (pg.637,638)
"Deitado ao lado de Augustín, olhando os aviões passando no céu, ouvindo o tiroteio na sua retaguarda, espreitando a estrada mais abaixo onde alguma coisa surgiria, continuava entorpecido pela surpresa de não ter sido morto na ponte. Havia aceitado a morte e tudo isso agora parecia irreal. "Mande isso embora", disse para si mesmo. "Chega disso. Há muito, muitos, muito mais ainda para fazer hoje." Mas a sensação não o deixava, e ele sentiu, conscientemente, que tudo se transformava num sonho.
"Você deve ter engolido muita fumaça", disse para si mesmo. Mas sabia que não era isso. Podia sentir, solidamente que tudo parecia irreal, através da realidade absoluta, e contemplou a ponte, a sentiela estendida na estrada, o lugar onde Anselmo estava caído, Fernando encostado no barranco, e a estrada amarronzada com o caminhão parado, tudo parecia irreal.
"É melhor entregar logo os pontos", disse para si mesmo. "Você está como um daqueles galos de rinha no rinhadeiro que ninguém notou que está ferido, mas já está ficando frio, morrendo."
"Não, que maluquice" disse para si mesmo. "Você está meio grogue, é só, e com depressão, após grande responsabilidade cumprida, nada mais. Acalme-se."
"Lutei durante um ano pelo que acredito. Se vencermos aqui, venceremos em todos os lugares. O mundo é um bom lugar e vale a pena lutar por ele, e odeio ter que deixá-lo. Você teve muita sorte por ter uma vida tão boa." (pg.665)
Nenhum comentário:
Postar um comentário