quinta-feira, 2 de abril de 2015

Os Irmãos Karamázov (Fiódor Dostoiévski - 1879) #trechos

Fiodór Dostoiévski
"Desde criança gostava de afastar-se para um canto e ficar lendo livros, e ainda assim os colegas se afeiçoaram tanto a ele que se poderia chamá-lo de o predileto de toda a escola durante todo o tempo que passou ali. Raramente fazia travessuras, era até raro estar alegre, mas todos que olhavam para ele logo percebiam que isso não se devia a nenhuma casmurrice, que, ao contrário, ele era uma pessoa equilibrada e serena. Nunca procurava se destacar entre seus coetâneos. Talvez por isso mesmo nunca temesse ninguém, e por outro lado os meninos logo compreenderam que ele não se vangloriava absolutamente de seu destemor, mas era como se não compreendesse que era corajoso, destemido. Nunca guardava ressentimento. Em alguns casos, uma hora depois de ter recebido uma ofensa respondia ao ofensor e iniciava ele mesmo uma conversa de forma tão crédula e serena como se nada houvesse acontecido entre os dois. E não é que aí aparentasse esquecimento casual ou desculpa premeditada da ofensa; ele simplesmente não a considerava ofensa, e isso cativava e conquistava de vez as crianças." (Livro I - IV. O Terceiro Filho, Aliócha)

"Acrescente-se que ele já era, em parte, um jovem do nosso tempo, ou seja, honesto por natureza, que reclamava a verdade, que a procurava e acreditava nela e, uma vez tendo acreditado, exigia participar imediatamente dela com toda a força de sua alma, reivindicava um feito urgente, movido pelo premente desejo de doar tudo de si, até mesmo a própria vida, para realizar esse deito." (Livro I - V. Os Startzí)

"O principal é não mentir para si mesmo. Quem mente para si mesmo e dá ouvidos à própria mentira chega a um ponto em que não distingue nenhuma verdade nem em si, nem nos outros e, portanto, passa a desrespeitar a si mesmo e aos demais. Sem respeitar ninguém, deixa de amar e, sem ter amor, para se ocupar e se distrair entrega-se a paixões e a prazeres grosseiros e acaba na total bestialidade em seus vícios, e tudo isso movido pela contínua mentira para os outros e para si mesmo. Aquele que mente para si mesmo é o primeiro que pode se sentir ofendido."
(Livro II - II. O Velho Palhaço)

"Esqueci, esqueci tudo, e não quero me lembrar de nada." (Livro II - III. Mulheres de Fé)

"Com amor tudo se resgata, tudo se salva. (...) O amor é um tesouro tão precioso que com ele podes comprar o mundo inteiro, e ainda redimes não só teus pecados, mas também os dos outros." (Livro II - III. Mulheres de Fé)

"É tal qual me dizia um médico, aliás, faz muito tempo - observou o stárietz. - Era um homem já entrado em anos e, sem nenhuma dúvida, inteligente. Falava com a mesma franqueza que a senhora, embora em tom de brincadeira, mas de uma brincadeira dorida; eu, dizia ele, amo a humanidade, mas me admiro de mim mesmo; quanto mais amo a humanidade em geral, menos amo os homens em particular, ou seja, em separado, como pessoas isoladas. Em meus sonhos, dizia ele, não raro chegava a intentos apaixonados de servir à humanidade e é até possível que me deixasse crucificar em benefício dos homens se de repente isso se fizesse de algum modo necessário, mas, não obstante, não consigo passar dois dias com ninguém num quarto, o que sei por experiência. Mal a pessoa se aproxima de mim, e eis que sua personalidade já esmaga meu amor-próprio e tolhe minha liberdade. Em vinte e quatro horas posso odiar até o melhor dos homens: este por demorar muito a almoçar, aquele por estar resfriado e não parar de assoar o nariz. Eu, dizia, viro inimigo das pessoas mal elas roçam em mim. Em compensação, sempre acontecia que quanto mais eu odiava os homens em particular, mais ardente se tornava meu amor pela humanidade em geral." (Livro II - IV. Uma Senhora de Pouca Fé)

"Assim, tudo permanecerá apenas em seus sonhos, e toda a vida passará num relance como um fantasma." (Livro II - IV. Uma Senhora de Pouca Fé)

"- Ah, Micha, a alma dele é uma tempestade. A inteligência o prende. Há nele uma ideia grande e não resolvida. Ele é daqueles que não precisam de milhões, mas precisam resolver uma ideia."
(Livro II - VII. Um Seminarista-Carreirista)

"A própria humanidade encontrará força em si mesma para viver em função da virtude, mesmo sem acreditar na imortalidade da alma! Encontrará essa força no amor à liberdade, à igualdade, à fraternidade..."
(Livro II - VII. Um Seminarista - Carreirista)

"Miússov fez silêncio. Depois de pronunciar as últimas palavras de sua tirada, ficou totalmente satisfeito consigo mesmo, e a tal ponto que em sua alma não restavam sequer vestígios da recente irritação. Mais uma vez amava plena e sinceramente a humanidade.)
(Livro II - VIII. O Escândalo)

"Padres monges, por que jejuam? Por que esperam receber por isso recompensas do céu? Ora veja, por uma recompensa como essa, até eu vou jejuar! Não, santo monge, procura ser virtuoso em vida, traze proveio à sociedade não te encerrando no mosteiro, comendo o pão já pronto e esperando a recompensa no Céu (...)"
(Livro II - VIII. O Escândalo)

"Aliócha lhe 'traspassara o coração' pelo fato de que 'vivia, tudo via e nada condenava'. Além disso, trouxera consigo uma coisa sem precedente: a absoluta ausência de desprezo por ele, pelo velho; ao contrário, estava sempre cheio de carinho e de uma amizade franca por ele, totalmente natural, que ele tão pouco merecia. Para o velho devasso e solitário tudo isso era uma surpresa total, inteiramente inesperada para ele, que até então gostara apenas de 'imundície'. Quando Aliócha saiu, ele reconheceu para si mesmo que compreendera algo que até então não quisera compreender." (Livro III - I. Os Criados)

Nenhum comentário:

Postar um comentário